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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O VELHO, O MENINO E A MULINHA - de Monteiro Lobato

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                O velho chamou o filho e disse: 
                - Vá ao pasto, pegue a bestinha ruana e apronte-se para irmos à cidade, que quero vendê-la. 
                O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chegasse descansada para melhor impressionar os compradores.
                De repente, 
                - Esta é boa! - exclamou um viajante ao avistá-los. O animal vazio e o pobre velho a pé! Que despropósito! Será promessa, penitência ou caduquice?... 
                E lá se foi a rir. 
                O velho acho que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:
                - Pucha a mula, me filho. Eu vou montado a assim tapo a boca do mundo. 
                Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego. 
                - Que graça! - exclamou elas. O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre menino a pé... Há cada pai malvado por este mundo de cristo... Credo!...
                 O velho danou e, sem dizer palavra, fez sinal ao filho para que subisse à garupa. 
                 - Quero ver o que dizem agora...
                 Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou: 
                 - Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez...
                 Assim, meu velho, o que chega à cidade  não é mais a mulinha; é a sombra da mulinha...
                 - Ele tem razão, meu filho, precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado. 
                 Assim fizeram, e caminharam em paz um quilômetro, até o encontro dum sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente. 
                 - Bom dia. príncipe! 
                 - Por que príncipe? - indagou o menino. 
                 - É boa! Porque só príncipes andam assim de lacaio à rédea. 
                 - Lacaio, eu? - esbravejou o velho. Que desaforo! Desce, desce, meu filho e carreguemos o burro às costas. Talvez isto contente o mundo. 
                 Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto, com vaias: 
                 - Hu! Hu! Olha a trempe de três burros, dois de dois pé e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro...
                - Sou eu! - replicou o velho, arriando a carga. Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não o que eu quero, mas o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar toda gente...

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- Isto é bem certo - disse Dona Benta. Quem quer contentar todo mundo, não contenta a ninguém. Sobre todas as coisas há sempre opiniões contrárias. Um acha que é assim, outro acha que é assado. 
 - E como então a gente deve fazer?  - perguntou a menina. 
- Devemos fazer o que nos parece mais certo, mais justo, mais conveniente. E para nos guiar temos a nossa razão e a nossa consciência. Aquela fita que vimos no cinema da cidade tem um título muito sábio. 
- Qual vovó? 
- E ISTO ACIMA DE TUDO... 
- Não estou entendendo... 
- Esse título é a primeira parte dum verso de Shakespeare: "E isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo," Bonito não?
- Lindo vovó! - exclamou Pedrinho entusiasmado. E vou adotar esse verso como lema da minha vida. Quero ser fiel a mim mesmo - e o mundo que se fomente... 

Fonte: Fábulas de Monteiro Lobato - Coleção Educar.
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Nicéas Romeo Zanchett 

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