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domingo, 23 de dezembro de 2018

O VEADO E A MOITA - de Monteiro Lobato

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              - Perseguido pelos caçadores, um pobre veado escondeu-se bem quietinho dentro de cerrada moita. O abrigo era seguro, e tanto que por ele passaram os cães sem perceberem coisa nenhuma. 
              Salvou-se o veado; mas, ingrato e imprudente, logo que ouviu latir ao longe o perigo, esqueceu-se o benefício e pastou a benfeitora - comeu toda a folhagem que tão bem o escondera. 
              Fez e pagou. 
              Dias depois voltaram novamente os caçadores. O veado correu em procura da moita - mas a pobre moite, sem folhas, reduzida a varas, não pode mais escondê-lo, e o triste animalzinho acabou estraçalhado pelos dentes dos cães impiedosos. 



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- Bravos, vovó! - aplaudiu Narizinho. A senhora botou nesta fábula duas belezas bem lindinhas. 
 - Quais, minha filha? 
- Aquele "ouviu latir de longe o perigo" em vez de "ouvir latir ao longe os cães"; e aquele "pastou a benfeitora" em vez de "pastou a moita". Se ti Nastácia estivesse aqui, dava à senhora uma cocada. 
Dona benta riu-se. 
- Pois essas "belezinhas" são uma figura de retórica que os gramáticos xingam de sinédoque... 
- Eu sei o que é isso - berrou Emília. É "sem" com um pedaço de bodoque. 
Ninguém entendeu. Emília explicou: 
- Sine quer dizer "sem:" Quando o Visconde quer dizer "sem dia marcado", ele diz sine die. É um latim. E "doque" é um pedaço de bodoque...
- Parece que é assim, mas não é, Emília - explicou Dona benta. Sinédoque é synedoche dos gregos, e quer dizer compreensão. 
- E que tem a compreensão com as duas belezinhas? - quis saber a menina.
Tem que falando em "perigo" em vez de cães, e em "benfeitora" em vez de moita, toda a gente compreende a troca das palavras - fica a tal belezinha que você achou. A sinédoque troca a parte pelo todo, como quando dizemos "velas" em vez de "navios"; ou troca o gênero pela espécie, como quando dizemos "os mortais" em vez de "os homens"; ou troca uma coisa pela quantidade de coisa. como quando dizemos "perigo" em vez de "cães" e "benfeitoria" em vez de "moita". 
- E para que serve isso? - perguntou Narizinho. 
Para enfeitar o estilo. 
- Mas a senhora mesmo não disse que o estilo muito enfeitado, muito floreado é feio? 
- Sim. Quando é muito enfeitado fica feio e de mau gosto, mas se aparece discretamente enfeitado fica bem bonitinho. Se você vai à vila com uma flor no peito, fica linda como uma sinédoque. Mas se enfeitar demais, fica apalhaçada e revela mau gosto. Tudo na vida depende da justa medida; nem mais nem menos; antes menos do que mais. 
- Então é usar e não abusar - lembrou a menina. 
- Isso mesmo. Discrição é isso. 
Narizinho, que era uma menina muito distraída, compreendeu perfeitamente. 
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Fonte : Fábulas de Monteiro Lobato - Coleção Educar. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

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