Como os pavões andassem em época de muda, uma gralha teve a ideia de aproveitar as penas caídas.
- Enfeito-me com estas penas e viro pavão!
Disse e fez. Ornamentou-se com as lindas penas de olhos azuis e saiu pavoneando por ali a fora, rumo ao terreiro das gralhas, na certeza de produzir um maravilhoso efeito.
Mas o trunfo lhe saiu às avessas. As gralhas perceberam o embuste, riram-se dela e enxotaram-na à força de bicadas.
Corrida assim dali, dirigiu-se ao terreiro dos pavões pensando lá consigo:
- Fui tola. Desde que tenho pena de pavão, pavão sou e só entre pavões poderei viver.
Meu cálculo. No terreiro dos pavões coisa igual lhe aconteceu. Os pavões de verdade reconheceram o pavão de mentira e também a correram de lá sem dó.
E a pobre tola, bicada e esfolada, ficou sozinha no mundo. Deixou de ser gralha e não chegou a ser pavão, conseguindo apenas o ódio de umas e o desprezo de outras.
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Amigos: lé com lé, cré com cré.
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Esta fábula é bem boazinha - disse Dona Benta. Quem pretende ser o que não é, acaba mal. O Coronel Teodorico vendeu a fazenda, ficou milionário e pensou que era um homem da alta sociedade, dos finos, dos bem educados. E agora? Anda de novo por aqui, sem vintém, mais depenado que a tal gralha. Porque quis ser o que não era.
- Isso não, vovó! - objetou pedrinho. Ele ficou rico e quis levara a vida de rico. Só que não teve sorte.
Não, meu filho. O meu compadre apenas se encheu de dinheiro - não ficou rico. Só enriquece quem adquire conhecimentos. A verdadeira riqueza não está no acúmulo de moedas - está no aperfeiçoamento do espírito e da alma. Qual o mais rico - aquele Sócrates que encontramos na casa de Péricles ou um milionário comum?
- Ah, Sócrates, vovó! Perto dele o milionário comum não passa dum mendigo.
- Isso mesmo. A verdadeira riqueza não é a do bolso, é a da cabeça. E só quem é rico de cabeça (ou de coração) sabe usar a riqueza material formada por bens ou dinheiro. O compadre pretendeu ser rico. Enfeitou-se com as penas de pavão do dinheiro e acabou mais depenado que a gralha. Aprenda isso...
- E que quer dizer esse "lé com lé, cré com cré"? - Perguntou Narizinho.
- Isso é o que resta de uma antiga expressão portuguesa que foi perdendo sílabas como a gralha perdeu penas: "leigo com leigo, clérigo com clérigo." Em vez de clérigo o povo dizia "crerigo". Ficaram só as primeiras sílabas das duas palavras.
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Fonte: Fábulas de Monteiro Lobato - Coleção Educar.
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Nicéas Romeo Zanchett
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