Caminhavam dois burros, um com carga de açucar, outro com carga de esponjas.
Dizia o primeiro:
- Caminhemos com cuidado, porque a estrada é perigosa.
O outro redarguiu:
- Onde está o perigo? basta andarmos pelo rastro dos que hoje passaram por aqui.
- Nem sempre é assim. Onde passa um pode não passar outro.
- Que burrice! Eu sei viver, gabo-me disso, e minha ciência toda se resume em só imitar o que os outros fazem.
- Nem sempre é assim, nem sempre é assim... continuou a filosofar o primeiro.
Nisto alcançaram o rio, cuja ponte caíra na véspera.
- E agora?
- Agora é só passar a vau.
O Burro do açucar meteu-se na correnteza e, como a carga se ia dissolvendo ao contato da água, conseguiu sem dificuldade pôr pé na margem oposta.
O burro da esponja, fiel às suas ideias, pensou consigo:
- Se ele passou, passarei também - e lançou-se no rio.
Mas a sua carga, em vez de esvair-se como a do primeiro, cresceu de peso a tal ponto que o pobre tolo foi ao fundo.
- Bem dizia eu! Não basta querer imitar, é preciso poder imitar - comentou o outro.
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- Que é passar a vau? - perguntou Pedrinho.
- É uma expressão antiga e muito boa. Quer dizer "vadear um rio", passar por dentro da água no lugar mais raso.
- E porque a senhora disse "redarguiu"? Não é pedantismo? - quis saber a menina.
- É e não é - respondeu Dona Benta. Redarguir é dar uma resposta que é também pergunta. Bonito não?
- Por que é e não é? Como uma coisa pode ao mesmo tempo ser e não ser?
- É pedantismo para os que gostam da linguagem mais simplificada possível. E não é pedantismo para os que gostam de falar com grande propriedade de expressão.
- E que é propriedade de expressão? quis saber Narizinho.
- Propriedade de expressão - explicou Dona benta - é a mais bela qualidade dum estilo. É dizer as coisas com a maior exatidão. Ainda há pouco Emília falou no "ferrinho do trinco da porta." temos aqui uma "impropriedade de expressão." Se ela dissesse "lingueta do trinco" estaria falando com mais propriedade.
- Mas é ou não é ferrinho? - redarguiu Emília.
A lingueta do trinco é um ferrinho, mas um ferrinho não é lingueta - pode ser mil coisas.
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Fonte: Fábulas de Monteiro Lobato - Coleção Educar.
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Nicéas Romeo Zanchett
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