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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

BURRICE - de Monteiro Lobato

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             Caminhavam dois burros, um com carga de açucar, outro com carga de esponjas. 
             Dizia o primeiro: 
             - Caminhemos com cuidado, porque a estrada é perigosa. 
             O outro redarguiu: 
              - Onde está o perigo? basta andarmos pelo rastro dos que hoje passaram por aqui. 
              - Nem sempre é assim. Onde passa um pode não passar outro. 
              - Que burrice! Eu sei viver, gabo-me disso, e minha ciência toda se resume em só imitar o que os outros fazem. 
              - Nem sempre é assim, nem sempre é assim... continuou a filosofar o primeiro. 
              Nisto alcançaram o rio, cuja ponte caíra na véspera. 
              - E agora? 
              - Agora é só passar a vau.
              O Burro do açucar meteu-se na correnteza e, como a carga se ia dissolvendo ao contato da água, conseguiu sem dificuldade pôr pé na margem oposta. 
              O burro da esponja, fiel às suas ideias, pensou consigo: 
              - Se ele passou, passarei também - e lançou-se no rio. 
              Mas a sua carga, em vez de esvair-se como a do primeiro, cresceu de peso a tal ponto que o pobre tolo foi ao fundo. 
              - Bem dizia eu! Não basta querer imitar, é preciso poder imitar - comentou o outro. 
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- Que é passar a vau? - perguntou Pedrinho. 
- É uma expressão antiga e muito boa. Quer dizer "vadear um rio", passar por dentro da água no lugar mais raso. 
- E porque a senhora disse "redarguiu"? Não é pedantismo? - quis saber a menina. 
- É e não é - respondeu Dona Benta. Redarguir é dar uma resposta que é também pergunta. Bonito não?
- Por que é e não é? Como uma coisa pode ao mesmo tempo ser e não ser? 
- É pedantismo para os que gostam da linguagem mais simplificada possível. E não é pedantismo para os que gostam de falar com grande propriedade de expressão. 
- E que é propriedade de expressão? quis saber Narizinho. 
- Propriedade de expressão - explicou Dona benta - é a mais bela qualidade dum estilo. É dizer as coisas com a maior exatidão. Ainda há pouco Emília falou no "ferrinho do trinco da porta." temos aqui uma "impropriedade de expressão." Se ela dissesse "lingueta do trinco" estaria falando com mais propriedade. 
- Mas é ou não é ferrinho? - redarguiu Emília. 
A lingueta do trinco é um ferrinho, mas um ferrinho não é lingueta - pode ser mil coisas. 
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Fonte: Fábulas de Monteiro Lobato - Coleção Educar.
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Nicéas Romeo Zanchett 

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